Eu não vejo o que você vê


Eu não vejo o que você vê:
fragmentos, recortes, vazios…
Eu prefiro perceber o todo.
As partes deixo para Gregório,
para você os fragmentos,
seus fragmentos,
consumidos pela limitação de sua visão.
Eu sou um peregrino que coleciona
recortes espalhados pelo chão.
Concedo interpretações,
significados,
completude.
Eu não vejo,
definitivamente,
o que você vê.
E nem poderia plenamente.
Vou para direita,
e você para a esquerda.
Direções opostas,
simbologicamente
e tradicionalmente
representadas.
Das escolhas das palavras,
pouco me resta.
Aceitação?
Para fracos.
Indeterminação?
Para sábios.
Desconhecimento?
Para os amantes.
Eu apenas não vejo o que você vê.
Simples assim!
E possivelmente nunca verei.
Pior (ou seria melhor?)
não quero!
Lembro meu pai.
Há tempo me deu
sete tartarugas
jabutis, especificamente.
Um morreu.
O maior de todos.
Tranquilamente,
peguei-o no colo,
levei-a para o mato,
joguei-o despenhadeiro abaixo.
Sepultei-a do meu modo.
Tudo acabou para ele.
A vida acabou.
O todo se perdeu.
E os outros seis jabutis?
Continuaram vivos,
saudáveis,
felizes,
na medida do possível.
Eu?
Continuei caminhando,
sem lembrar do jabuti
maior de todos.
Havia outros seis
com quem brincar.
Tempos depois,
dei os seis que restavam.
Sempre há algo novo
para um peregrino
apanhar pelo caminho.
E neste caso,
não serão jabutis.


by Augusto Filho

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A vida toma outros rumos

Outro dia eu estava vivendo,
Aproveitando a vida.
– Carpe Diem – como dizem os antigos.
Não tão de repente,
A vida muda.
Esperei tanto das outras pessoas,
E elas quase nada puderam me oferecer.
Depositei minha felicidade,
– Bem tão precioso e íntimo -,
Nas mãos de pessoas que não podiam cuidar
(que não sabem cuidar ?)
Há boa vontade, é certo.
Mas ninguém,
A não ser eu mesmo,
Pode cuidar de MINHA felicidade.
E neste momento,
A vida muda.
Antes gritos desesperados,
Lágrimas derramadas,
Pedidos de perdão,
Promessas sem estruturas,
Palavras vazias cheias de sentimento.
Não há pecado.
Apenas algozes
E humanidade quando se é vitima.
Perdão inflamado,
Evidências esquecidas,
Provas defraudadas.
– Apenas confie!
Eu posso,
Eu quero,
Eu mereço.
E nestes momentos,
A vida toma outro rumo.
Caminhadas por avenidas estreitas,
Jogos de pega-ladrão,
Esconde-esconde,
E no final:
Mais lagrimas,
Mais tristeza,
Mais sofrimento,
Mais uma vez a felicidade colocada
Nas mãos de quem não podia cuidar.
Inércia.
O tempo cura tudo
Até que o furação retoma a força.
Retorna mais forte,
Mais cruel…
Não tem medo da destruição,
Quer destruir.
Sem piedade.
Pisotear a felicidade,
Que não guardei,
Não cuidei
E que não protegi.
E nestes momentos,
A vida muda,
Toma outros caminhos.
Agora vítima,
Humano.
Mas o algoz?
Este não perdoa.
Outrora misericórdia,
Agora apenas justiça.
Provas, fatos, provas,
Que de fato não dizem nada,
E ao mesmo tempo dizem tudo.
A vida toma rumos estranhos,
Porém sempre corretos.
Antes não se podia ver,
Agora tudo se vê claramente.
Onde esta o amor?
No apelo da vítima,
Ou na impiedade do algoz?
As pessoas vivem escravas de outras,
-eu incluso -,
Posicionadas no abismo da insegurança,
Na aflição das experiências passadas,
Presas a uma fantasia romântica de amor,
Que nada promete,
Nada diz,
Tudo cobra,
Tudo ameaça,
Tudo consome,
Até a si mesmo.
E nestes momentos,
A vida toma, de fato, outros rumos…
E agora, me obriga,
De alguma forma espetacular,
A tomar o rumo certo.
A vida não erra,
Maltrata,
Mas não erra.
Vou caminhando,
Porque cedo ou tarde,
A vida toma outro rumo.
E  em algum momento,
Compreenderei esta jornada,
E talvez, em algum momento,
Sofra menos,
Aprendendo o ensinamento:
Felicidade não se acha.
Felicidade se busca.
Não lá fora,
Não em um outro,
Mas aqui dentro,
Aqui em mim,
Em mim mesmo.
Quem é o MIM?
E quem é o MIM MESMO?
Esta é a minha busca…

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Perdido

Perdido

Eu sempre me perdi em você
Não sei bem como acontece
Mas me perco em você
Me perco em seus cabelos
E em seus sentidos
Eu sou escravo
E como não vivo
Sem seu perfume
Me jogo ao acaso
Ao ciúme
Que me aprisiona
Me corrói
Me mata
Não sei bem como acontece
Mas me perco em você
Eu sempre me perdi em você
E neste labirinto
Perdido
Não sou quem era
Quem quero ser
Sou escravo
Além de mim
Peregrino sem destino
Que não sabe
Onde chegar
Não sei bem como acontece
Mas me perco em você
Eu sempre me perdi em você
Perdido
Enlutado
Sobre a máscara
Escondido
Sobre o espelho
Revelado
Perdido em seu olhar
Profundamente esquecido
Abertamente entregue
Perfeitamente morto
Não sei bem como acontece
Mas me perco em você
Eu sempre me perdi em você
Quero continuar perdido
Sem destino
Sem amor
Amor por mim
Entregue
Esquecido
Encarcerado
Não sei bem como acontece
Mas me perco em você
Eu sempre me perdi em você
Para sempre perdido
Para sempre esquecido
Para sempre
Do meu jeito
Sempre amado.


by Augusto Filho
10/10/11

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Meu deus está morto

Meu deus está morto

Meu deus está morto
E como não há deus
Eu sou o aborto
do meu adeus

Eu grito febril
deste desconforto
um sentimento pueril
de um pai deposto

Ouves quando queres
Intercedes sem solicitação
Assim, apenas conferes
Clamor a aberração

Se me desprezas
Eu não te quero
Nem as mazelas
Eu te exonero

Foge para os hebreus
Teu povo escolhido
Celebra os jubileus
Com teus filhos perdidos

Eu quero amor
Sem tuas inócuas leis
Não quero favor
Contra quem opereis?

Contra mim e meu jugo
Contra minha indignidade
neste mundo refugo
onde só há brutalidade?

Meu deus está morto
Não me ouve pedidos
Neste doloroso horto
Eu sou o bandido

Quando Moises gritou
Tu o ouviste
Mesmo o eu sou
Em chama pedistes

– Leva meu povo livre
Para poder me adorar
Livre agora sou
E não me ouves clamar

Eu te liberto deus
Deste martírio algoz
Volta para os hebreus
Teus filhos, hoje e após

Eu não sou teu filho
Nem promessa eterna
Mesmo por teu perfilho
Sou filho da caverna

Meu deus está morto
Morto como a herança
Desta pseudo aliança
Meu deus está morto


by Augusto Filho
29/05/11

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Teu corpo em meu corpo

Tomo teu corpo em minha mão
e por ele me torno tua.
Teu sangue com o meu sangue se confunde
e por este mistério tomo teu nome.

Preso ao madeiro te contemplo
E enquanto minha dor com sua dor
nos torna unidade, me maravilho!
Desce desta cruz para meus braços.

Teu corpo em mim vive
e por minhas mãos se faz meu.
Vem senhor até teu servo…

Vem por tempo ilimitado
e através de corpo e sangue
me torna puro em minha cruz.


by Augusto Filho
12/12/10

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O deus que há em mim



O deus que há em mim

Quão belas são as nuvens
que me movem como ondas
pelo oceano da imaginação
Capitão que não me mandas

E nesta luz de imensidão
percebo meu deus
dentro do furação
causado pelos medos meus

Que paz vislumbro
quando vejo neste mundo
a face oculta do coração
que me sorri, me dá a mão

É um longe tão perto
que neste labirinto inquieto
me perco em mim mesmo
e me acho na tormenta

E me acho na tormenta
que me quer aplacar
mas logo a voz mansa
me diz: Paz, aí está!

Meu coração te segue atordoado
o espírito sufocado
querendo teu beijo insano
que me consome maravilhado

E neste momento de entrega
o teu espírito me completa
em um dois que só pode ser um
A essência divina do meu eu

A essência divina do meu eu
que anseia pelo nós
pelo amor do após
que me torna chama


by Augusto Filho
23/04/2011

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Pseudo

Pseudo

Por que para mim quase tudo é tudo,
e quase nada é nada?
Minha companhia é a solidão.
Mas, minha solidão não é minha companheira.
O que me resta?
Minha imaginação.
Minha poesia.
Meu pseudo-sentimento de pertencimento.
Nada me resta.
Tudo se foi.
by Augusto Filho
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Palavras condicionantes

Palavras condicionantes

E continua as minhas palavras
vagas pelas entrelinhas de minha poesia
perturbadas pelas dores dos sentimentos
que me fazem sufocar os meus sonhos.

Queria gritar pelas ruas meus pensamentos
rasgar do peito esta dor
que me consome
e me condiciona ao natural, primitivo.

Este manto amargo
Este vinho rústico
O veneno absoluto que me mata
e me faz nascer mais uma vez.

Esta dor que bem conheço
vai passar, eu sei…
O tempo cura e tudo destrói
até o amor…

by Augusto Filho
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Minha morada

Minha morada

Tua luz parte a escuridão dos meus olhos
E enquanto contemplo o brilho da manhã
O véu que nos separa se abre por tua mão.
Oh quanta luz que me preenche e me invade!

Teus olhos me convidam ao abraço,
Mas meu coração em medo se distancia,
A largos passos, desta santa morada
Imperfeita sou desta sagrada companhia.

A suave voz me chama de amada
E me toma pela mão, acolhida, abençoada
Fuji de mim para o teu abraço
E neste encontro me torno luz.

Eu fugitiva de minha morada
Me torno o presente da alvorada
E com meu rosto em teu ombro descansado
Relembro os dias de nosso amor.

Em algum lugar a noite reina impetuosa
Mas nos teus braços eu sou as estrelas
Que iluminam a noite de nosso romance,
A estrada sinuosa de nossa paixão.

Nossas juras e nossas palavras
Tão antigas promessas em um beijo selado…
Como me esqueci deste teu toque?
Desta tua voz pelos campos e jardins?

Parada em teus braços eu me entrego
E pelo tempo em que juntos transformados
Teu olhar por mim lembrado me sussurra
Que ainda não é este meu tempo ou meu lugar.

Para minha morada donde fugi volto a tornar
Padecida em minha dor em coração partido
Do amado vou esquecer, mais uma vez
O toque, o beijo, o amor…

by Augusto Filho
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La noche oscura

La noche oscura

En una noche oscura,
con ansias en amores inflamada,
(¡oh dichosa ventura!)
salí sin ser notada,
estando ya mi casa sosegada.

A oscuras y segura,
por la secreta escala disfrazada,
(¡oh dichosa ventura!)
a oscuras y en celada,
estando ya mi casa sosegada.

En la noche dichosa,
en secreto, que nadie me veía,
ni yo miraba cosa,
sin otra luz ni guía
sino la que en el corazón ardía.

Aquésta me guïaba
más cierta que la luz del mediodía,
adonde me esperaba
quien yo bien me sabía,
en parte donde nadie parecía. 20

¡Oh noche que me guiaste!,
¡oh noche amable más que el alborada!,
¡oh noche que juntaste
amado con amada,
amada en el amado transformada!

En mi pecho florido,
que entero para él solo se guardaba,
allí quedó dormido,
y yo le regalaba,
y el ventalle de cedros aire daba.

El aire de la almena,
cuando yo sus cabellos esparcía,
con su mano serena
en mi cuello hería,
y todos mis sentidos suspendía.

Quedéme y olvidéme,
el rostro recliné sobre el amado,
cesó todo, y dejéme,
dejando mi cuidado
entre las azucenas olvidado.

The English Version

Dark Night of the Soul
1. One dark night,
fired with love’s urgent longings
– ah, the sheer grace! –
I went out unseen,
my house being now all stilled.
2. In darkness, and secure,
by the secret ladder, disguised,
– ah, the sheer grace! –
in darkness and concealment,
my house being now all stilled.
3. On that glad night,
in secret, for no one saw me,
nor did I look at anything,
with no other light or guide
than the one that burned in my heart.
4. This guided me
more surely than the light of noon
to where he was awaiting me
– him I knew so well –
there in a place where no one appeared.
5. O guiding night!
O night more lovely than the dawn!
O night that has united
the Lover with his beloved,
transforming the beloved in her Lover.
6. Upon my flowering breast
which I kept wholly for him alone,
there he lay sleeping,
and I caressing him
there in a breeze from the fanning cedars.
7. When the breeze blew from the turret,
as I parted his hair,
it wounded my neck
with its gentle hand,
suspending all my senses.
8. I abandoned and forgot myself,
laying my face on my Beloved;
all things ceased; I went out from myself,
leaving my cares
forgotten among the lilies.

By San Juan de la Cruz / Saint John of the Cross
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